Hoje encontrei seu cão. Não, ele não foi adotado por ninguém. Aqui por perto a maioria das pessoas já tem vários cães e quem não tem nenhum não quer um cão. Eu sei que você esperava que ele encontrasse um bom lar quando o deixou aqui, mas ele não encontrou. Quando o vi pela primeira vez ele estava bem longe da casa mais próxima, sozinho, com sede, magro e mancando por causa de um machucado na pata.
Eu queria tanto ser você no momento em que parei na frente dele! Então poderia ver sua cauda abanando e seus olhos brilhando ao pular em teus braços, pois ele sabia que você o encontraria, sabia que você não o esqueceria. Poderia ver o perdão nos olhos dele por todo sofrimento e dor que passara na interminável jornada à tua procura. Mas eu não era você. E apesar de minhas tentativas de convencê-lo a se aproximar, os olhos dele viam um estranho. Ele não confiava em mim. Ele não se aproximava.
Então ele se virou e seguiu seu caminho, pois tinha certeza de que o caminho o levaria a você. Ele não entendia porque você não o estava procurando. Ele só sabia que você não estava lá, sabia que precisa te encontrar e que isso era mais importante do que comida, água ou o estranho que poderia lhe dar essas coisas.
Percebi que seria inútil tentar persuadi-lo ou segui-lo. Nem o nome dele eu sabia! Fui para casa, enchi um balde com água, coloquei comida numa vasilha e voltei para o lugar em que o encontrara. Não havia nem sinal dele, mas deixei a água e a comida debaixo da árvore onde ele estivera descansando ao abrigo do sol. Veja bem, ele não é um cão selvagem. Ao domesticá-lo, você tirou dele o instinto de sobrevivência nas ruas. Ele só sabe que precisa caminhar o dia todo. Ele não sabe que o sol e o calor podem custar-lhe a vida. Ele só sabe que precisa te encontrar.
Aguardei na esperança de que voltasse a buscar abrigo sob a árvore, na esperança de que a água e a comida fizessem com que confiasse em mim; assim poderia levá-lo para casa, cuidar do machucado da sua pata, dar-lhe um canto fresco para se deitar e ajudá-lo a entender que você não faria mais parte vida dele. Ele não voltou naquela manhã e a água e a comida permaneceram intocadas. Fiquei preocupada. Você deve saber que poucas pessoas tentariam ajudar teu cão. Algumas o enxotariam, outras chamariam a carrocinha que lhe daria o destino que você talvez achasse que o libertaria de todo o sofrimento pelo qual porventura estivesse passando.
Voltei ao mesmo lugar antes do anoitecer e não o encontrei. Na manhã seguinte, retornei e vi que a água e a comida continuavam intactas. Ah, se você estivesse aqui para chamá-lo pelo nome, tua voz lhe é tão familiar!
Comecei a caminhar na direção que ele havia tomado antes, mas sem muita esperança de encontrá-lo. Ele estava tão desesperado para te encontrar, que seria capaz de caminhar muitos quilômetros em 24 horas.
Horas mais tarde e a uma boa distância do lugar onde o vira pela primeira vez, finalmente encontrei seu cão. A sede já não o atormentava, sua fome fora saciada, suas dores haviam passado, o machucado da pata não o atormentaria mais. Seu cão estava morto. Livrara-se do sofrimento. Ajoelhei-me ao lado dele e amaldiçoei você por não estar ali antes para que eu pudesse ter visto brilho naqueles olhos vazios, nem que só por um instante. Rezei, pedindo que sua jornada o tivesse levado ao lugar que imagino você esperava que ele encontrasse. Se você soubesse por quanta coisa ele passou para chegar lá... E sofri, sofri muito, pois sei que se ele acordasse agora e se eu fosse você, os olhos dele brilhariam ao vê-lo e ele abanaria o rabo perdoando-o por tê-lo abandonado.
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